terça-feira, 8 de setembro de 2009

ALTA PERFORMANCE ?

Texto: Vicente Queiroz Edição: Ignacio Montanha
Data: 10 de Novembro de 2003

Definitivamente, estamos vivendo em um mundo globalizado. As fontes de informação são abundantes e variadas. Pela Internet, por exemplo, pode-se pesquisar através de todo o globo assuntos tão diversos como jardinagem e fabricação de bombas. Sobre carros então, a literatura extrapola em muito a capacidade de pesquisa de um único aficionado. Estão disponíveis na net informações técnicas de qualidade sobre todos os modelos de motores mais populares, desde o famoso 2JZ, dos Toyota Supra Turbo, que ficou famoso em todo o mundo no filme Velozes e Furiosos, até os Honda B16, os “pequenos prodígios” de 1600 cilindradas capazes de exceder facilmente a barreira dos 120 cv/litro em configuração naturalmente aspirada, sem perder a civilidade e praticidade de uso.

Nesses tempos modernos onde a informação flui tão rápido, é quase instantaneamente que ficamos sabendo das novidades de fora, bem como dos recordes de nosso vizinhos da América do Norte. Qualquer pessoa que souber usar um micro conectado à uma linha telefônica, ou mesmo que se disponha a pagar mais de R$ 30,00 por uma revista importada, automaticamente recebe o direito de ficar estarrecido, ao descobrir que os carros norte-americanos de tração dianteira estão engolindo os 402 m na impressionante casa dos 8 segundos baixos, e cruzando a linha à quase 300 km/h. Ou ficar igualmente embasbacado ao descobrir que GM Performance Parts comercializa um livro chamado GM Ecotec Engine Handbook, no qual constam todos os passos para que qualquer pessoa possa montar um desses motores (semelhantes aos que equipam nossos Vectra e Astra 16v) com “apenas” 1000 hp.

É quase tão fácil olhar para fora como acompanhar o esporte dentro do Brasil, de modo que as comparações tornam-se inevitáveis; enquanto alguns estufam o peito e proferem frases como: “Motor é AP, o resto é batedeira” ou “AP é o topo da cadeia alimentar”, outros mais informados simplesmente se recusam a aceitar a suposta supremacia desse motor sobre seus concorrentes de mesma cilindrada. Ao compará-los com motores mais modernos e sofisticados, fica impossível não perceber que os anos passaram. Cabeçotes roletados, coletores de admissão com dutos de geometria variável e comandos de válvulas variáveis são refinamentos e tecnologias com os quais o AP não conta. E na pista, a lacuna parece ser ainda maior: “Porque nossos carros tração dianteira estão na casa dos 10 segundos, enquanto os americanos estão na casa dos 8?” Ou: “Se o AP é tão bom, porque não domina as arrancadas nos Estados Unidos e na Europa?”

Mas os defensores do AP rebatem todas essas críticas com apenas um argumento, que ao menos atualmente, ainda permanece irrefutável: “Quero ver colocar do lado e andar na frente, aí agente conversa.” E isso geralmente põe fim à discussão, porque contra fatos não há argumentos. O máximo que se ouve são resmungos resignados do tipo: “Quando os preparadores daqui aprenderem a lidar com coisa boa isso vai mudar.”

Tudo isso não deixa de ser verdade pois afinal de contas, estamos falando de um motor comum, que tem bloco em ferro e cabeçote de fluxo lateral com comando de válvulas simples e duas válvulas por cilindro. É um bom motor, mas não pode ser comparado aos concorrentes de última geração, que contam com materiais mais nobres e projeto mais moderno.

O que pode ser dito, sim, em relação aos APs, é que o projeto do motor em si é excelente, apesar de defasado. A maior prova disso está justamente na atual linha de motores de 4 cilindros da linha VW/Audi, cujo expoente máximo, o venerado 1.8 Turbo, nada mais é do que uma evolução dos próprios APs, com quem compartilha toda a arquitetura básica e geometria.Mas então como se explica o inegável fato de que um motor simples e ultrapassado domina quase que completamente as categorias mais fortes da arrancada com tração dianteira? O que existe de tão especial nesse tal de AP? A resposta não se encontra somente na engenharia ou projeto do propulsor. Para encontrarmos os fatos que fizeram com que em nenhum outro país esse motor fosse tão popular, precisamos voltar um pouco na nossa história automobilística.

Perspectiva histórica

O Brasil vinha vivendo a fase de excepcional crescimento econômico conhecida como o "Milagre Brasileiro", que teve na indústria a automobilística o seu carro-chefe. Em seis anos de "milagre" (de 67 a 73), a produção de veículos mais que triplicou, subindo de 225 mil para 709 mil unidades. Este período em que o país viveu sob regime militar, principalmente até 1973, foi marcado por grandes investimentos estatais e estruturais, sendo o setor de transportes um dos mais privilegiados, com investimentos robustos na construção de estradas. Assim, além de aumentar a frota, o país também ampliava sua malha viária de uma maneira inédita em sua história. Sem dúvida, os automóveis estavam em alta.

A Volkswagen, líder absoluta de vendas no mercado nacional, chegava nesse ano à marca de 2 milhões de veículos produzidos na planta de São Bernardo do Campo. A linha “à ar” estava começando a ficar ultrapassada e a montadora precisava de novos produtos. Ao mesmo tempo na Alemanha, a marca lançava o revolucionário Passat, o carro vinha com boas credenciais: irmão gêmeo do também recém lançado Audi 80 (maio de 1972), ambos eram desenhados por Giorgetto Giugiaro, do conceituado estúdio Italdesign. Praticamente idênticos estética e mecanicamente, a única diferença marcante era o tipo de traseira: fastback para o Passat, e notchback para o Audi.

O lançamento do Passat no Brasil em setembro de 1974, quase simultaneamente com a Europa, refletia o bom momento de que desfrutava a indústria automobilística nacional e também a necessidade da VW de renovar sua linha. Entretanto, em 1973 a primeira crise do petróleo pôs fim ao “milagre” e a economia entrou em crise. A importação de automóveis foi proibida em 1976 e o nosso mercado, que acabara de arranhar uma tentativa de equilíbrio com a Europa através dos então modernos e atuais Chevette e Passat, entrou em estagnação. A Alemanha nada tinha a ver com isso, e num mercado europeu muito competitivo a VW precisava continuar evoluindo seus propulsores e também lançando outros, como o cinco cilindros 2.2, (que era em essência, um AP 1.8 com um cilindro a mais) e o VR6. No primeiro mundo, não fazia mais sentido para um preparador investir pesado nos 4 cilindros quando haviam outras opções disponíveis, sendo que elas eram maiores, mais potentes e conseqüentemente mais interessantes.


O tropeço e a virada

Durante a segunda metade da década de setenta, o Passat tratou de consolidar a sua posição de melhor produto oferecido pela VW no território nacional, tanto que ainda hoje é lembrado por muitos como o melhor carro médio de seu tempo. Contudo, nenhuma fábrica pode prosperar baseada em apenas um produto. Assim, no final dessa mesma década, a VW preparava o lançamento de um outro carro, com o objetivo de substituir de uma só tacada o Fusca e a Brasília.


Era o Gol, um projeto genuinamente brasileiro, contrariando a matriz que preferia outro carro de mesmo porte, como o subcompacto Pólo, lançado em 1976 ou mesmo o Golf, um pouco maior, lançado em 1974. Mas a VW do Brasil não cedeu às pressões e finalmente em 1980 foi lançado o tão esperado carrinho. Equipado inicialmente com motores de 1.300 cm³ à gasolina (em 1980) e depois à álcool (em 1981), ambos contavam com apenas um carburador. Devido a isso o carro tinha um rendimento sofrível, o que se refletiu em vendas abaixo do esperado. Em 1982, surgiu a versão equipada com motor de 1.600 cm³ de dupla carburação, todavia ainda refrigerado à ar. Mas não adiantou. Tudo indicava que a matriz tinha razão, e que o Gol tinha realmente sido um erro. Algo precisava ser feito.

A resposta parecia simples: Bastaria equipar o Gol com o motor do Passat, que já havia se revelado um sucesso, o que realmente foi feito. Entretanto, talvez com receio de isso não ser suficiente, a VW surgiu com a estratégia de lançar o Gol GT 1.8. Equipado com o motor AP 800S, o mesmo do recém lançado Santana, porém com comando e carburação diferentes, o carrinho não tardou a virar um sucesso. Era um motor razoavelmente moderno e robusto, de boa cilindrada, montado em um esportivo pequeno, leve e bem equipado. No melhor estilo “Pocket Rocket”, ou “foguete de bolso”, os Golzinhos logo começaram a “rebocar” carros de porte superior, apesar do comportamento dinâmico inadequado para um carro esporte, o que viria a ser sanado nos anos posteriores.





Economia de escala


A jogada da VW revelou-se um sucesso absoluto, não só do ponto de vista do desempenho do carro, mas também do desempenho no mercado. O carrinho que antes era visto como fraco e capaz apenas de um desempenho pouco entusiasmante, com um motor 1.8 sob o capô, mudou de personalidade. Ficou tão bom que foi capaz não só de recuperar sua imagem, mas também de tomar a dianteira nas vendas, roubando do Monza o posto de carro mais vendido do Brasil. O pequeno VW não foi desbancado até hoje, e já foram vendidos mais de 4 milhões de Gol, sendo a grande maioria com motores AP.


Saveiro, o Voyage e Parati também contavam com esse propulsor. E graças à parceria firmada com a Ford, chamada Autolatina, surgiram os irmãos Apollo e Verona, descendentes do Escort, e também o Versailles e a Royale, as versões da Ford para os VW Santana e Quantum. Todos eles possuíam várias ou todas as versões de suas respectivas famílias equipadas com algum modelo de AP. Até o Del Rey e a Belina ganharam uma sobrevida no mercado graças ao 4 cilindros da Volks.

Uma das particularidades da economia de escala é que ela faz a mágica de tornar as peças agraciadas com a alta produção mais baratas, com o preço reduzido na razão diretamente proporcional ao número de unidades produzidas. E com tantos modelos sendo comercializados com esse propulsor, foi fácil prever o que aconteceria: Com o passar do tempo o motor além de robusto ficou também bastante acessível.A relação disso com a alta performance, como todos devem saber, é que motores com preparações fortes tem o péssimo hábito de quebrar de vez em quando... Assim sendo, não fica muito difícil compreender que um dos principais motivos do “amor” ao AP é a facilidade de manutenção e a grande disponibilidade de peças. As dores de cabeça com quebras já são suficientes e ninguém quer de ter de passar por mais problemas procurando peças impossíveis de achar ou economizar 3 meses de salário para poder comprar meia dúzia de componentes caríssimos.








As competições


Outro fator decisivo para o atual estágio de desenvolvimento desses motores, foram as competições. Uma das maiores virtudes do Passat, comparado à maioria dos carros da época, era sua estabilidade. Desse modo, não tardou a aparecerem equipes dispostas a utilizá-lo como carro de corrida, o que fez com que os motores AP começassem a ter desenvolvimento nacional para alta performance de verdade. Os AP constituíam duro desafio à concorrência e em provas de longa duração e os Passat chegaram a incomodar até oponentes de maior porte como Opalas e Mavericks, que tinham mais que o dobro (ou triplo!!!) da cilindrada. Um rápido mergulho na história das competições automobilísticas no Brasil revela fatos muito interessantes para quem se interessa por técnica e preparação de propulsores Volkswagen


Na metade da década de 70 já surgiam motores aspirados de cerca de 160 cv, capazes de girar 8000 rpm e de ultrapassar os 200 km/h. Além disso, as corridas de longa duração e o rali, obrigaram os preparadores a criarem motores não só potentes, mas também duráveis. O campeonato brasileiro de Marcas e Pilotos também fez com que surgissem algumas preparações diferentes, como um motor 1.3 criado pela engenharia da VW, por força de regulamento, que consistia em um 1,6 reduzido por meio de virabrequim de curso bastante curto: passou de 80 para 65,4 mm. Com cabeçote AP, gerava 130 cv e era capaz de girar mais de 8000 RPM. Também por contingências dos regulamentos da FIA para o Marcas, surgiu um motor 1,14-litro turbo sem intercooler, que beirava os 135 cv; quando o regulamento passou à admitir motor 1,6 e turbocompressor, tornaram-se comuns potências da ordem de 250 cv.

Esses são apenas alguns poucos exemplos das soluções encontradas, que geraram um enorme desenvolvimento na preparação dos motores VW. Esse conhecimento, muitas vezes financiado pela fábrica e adquirido em uma época em que o automobilismo nacional passava por um período bastante movimentado, acabou sendo repassado para a arrancada, que na época ainda não era nem de longe forte como hoje em dia.



Alta Performance


Em se tratando de alta performance, alguns motores tem mais potencial que outros. Para entendermos um pouco sobre como isso funciona, precisamos examinar os fundamentos básicos dos motores de alto desempenho: Basicamente, para arrancar forte, o carro precisa de muito torque, e para seguir acelerando em igual ritmo, ele precisa de muita potência. Quanto mais “plano” o torque, e mais alta a potência, melhor. Infelizmente é muito difícil aliar torque plano e grande potência em pequenos motores de quatro cilindros.





Em qualquer tipo de preparação, precisamos optar entre privilegiar o torque ou a rotação. Se o motor tem curso longo, isso privilegia o torque, mas limita a rpm máxima. O mesmo acontece com os coletores de admissão: Quando são longos, o motor obtém torque e se são curtos, ele gira mais. Tamanho de válvulas, dos carburadores ou corpo de borboletas, perfil dos comandos. É sempre o mesmo problema: Rotação x Torque. Mas você pode estar se perguntando: “Ninguém vai falar na potência?” Bom, potência é o produto da multiplicação do torque x rotação. Assim sendo, se queremos alta potência, precisamos encontrar o ponto de equilíbrio ideal entre torque e giro. O que em pequenos motores de quatro cilindros significa que temos de girar alto.





E o motor AP, é “girador” ou “torcudo”? Bom, depende. Os AP 1.6, possuem curso de 77,4 mm e pistões de 81 mm (1.595 cm³), sendo assim, são considerados superquadrados, (diâmetro dos pistões é maior do que o curso do virabrequim) e isso privilegia a rotação em detrimento do torque. Já os AP 2.0 possuem virabrequim com curso de 92,8 mm e pistões de 82,5 mm (1984 cm³) e são considerados subquadrados (diâmetro menor do que o curso). Essa característica dá mais ênfase ao torque do que ao giro. Os pequenos são bons, pois podem girar alto, mas sua cilindrada é pequena e em função disso ele admite 20% menos mistura que um 2.0, o que o deixa em desvantagem. Já o dois litros, com “torque de Diesel”, empurra muito, mas assim também como um Diesel, não gira “liso” e como a potência depende da rotação, ele também fica em desvantagem.






Isso explica porque o 1.8 é tão popular. Com curso de 86,4 mm e pistões de 81 mm de diâmetro (1.780 cm³), ele também é considerado subquadrado, mas não é pequeno como o 1.6 e nem vibra como o 2.0. Além disso, pode-se usar pistões do dois litros, de 82,5 mm a 83,5mm (sobremedida de retífica), aumentando sua cilindrada, que fica próxima de 1.900cc, ou seja, os famosos “AP 1.9”. Assim diminui-se a diferença de cilindrada entre os 1.8 e os dois litros, mas sem aumentar curso de virabrequim, o que permite mais giro. Lembrando sempre que todos os AP modernos nacionais com fluxo lateral possuem bielas de mesmo comprimento, ou seja, 144 mm entre os centros dos furos. À exceção dos 2.0 dos 2.0 de fluxo cruzado do Golf / Polo nacionais e do Gol GTI 16V e que tem blocos mais altos e bielas mais longas (159mm), o que privilegia a rotação e suavidade de funcionamento.






Turbinando

Na verdade, um outro motivo pelo qual os AP dominaram a cena nacional, é o próprio projeto do motor. Ele reúne algumas particularidades que lhe permitem trabalhar muito bem em conjunto com um turbocompressor. Se o curso longo e as bielas relativamente curtas dos AP de maior cilindrada não favorecem o funcionamento redondo e sem vibrações em alta rotação e se o sideflow ou fluxo lateral (tipo de cabeçote onde o coletor de admissão e de escape ficam posicionados do mesmo lado do motor) associado ao pouco comprimento do bloco não são características ideais para maximizar o fluxo, por outro lado existem vantagens: Bielas mais curtas tem menos tendência a entortar sob alta pressão, o curso longo privilegia o torque e os pistões menores oferecem menor risco de pré-ignição e detonação nos confins mais longínquos das câmaras de combustão. A turbina pode compensar em parte as deficiências de fluxo e o comando de válvulas de acionamento direto, com a opção de tuchos mecânicos, permite que se atinjam altas RPM sem flutuação de válvulas.

Todas essas coisas significam que é possível um grande ganho de potência e torque, mantendo todas as partes internas originais, sem risco substancial de quebra. Em outras palavras, basta montar um kit bastante simples e barato, para conseguir um ganho notável de desempenho. Além disso, quem já teve a oportunidade de observar o cofre de um AP turbo, deve ter percebido que é muito fácil instalar um kit simples. Sendo o cabeçote de fluxo lateral, a turbina fica tão próxima da tampa de pressurização ou “mufla”, que não é necessário confeccionar praticamente nenhuma tubulação, uma tática que já foi utilizada até mesmo pela própria Audi Sport na década de 80 nos Audi 90 IMSA GT. Além disso, a compressão para motores aspirados movidos à gasolina serve como uma luva para um motor turbinado à álcool, podendo rodar inclusive sem intercooler, o que é muito comum. O velho ditado “nasceu ali”, parece ter sido criado especialmente para a associação entre o turbo e os motores AP.




Rua e pista


já os motores especificamente preparados para arrancada são um outro assunto. Apesar de serem baseados na mesma plataforma, eles tem características únicas, que não tem paralelo em motores de nenhum outro tipo de competição. Componentes internos originais não tem lugar nesses motores, afinal, eles trabalham no limite da quebra, sempre forçados a engolirem enormes quantidades de ar, o que leva a eficiência volumétrica à patamares com os quais carros de rua podem apenas sonhar.

Pistões e bielas forjados, cabeçotes totalmente retrabalhados com válvulas e molas especiais, comandos especialmente calculados e principalmente enormes turbocompressores empurrando uma quantidade incrível de ar para dentro dos cilindros, fazem com que esses motores atinjam potências específicas monstruosas e torque brutal, tornando-os capazes de comer um par de juntas homocinéticas ou uma caixa de câmbio no café da manhã. É um mundo extremo até para os melhores componentes importados.

Mas a contrapartida é a falta de confiabilidade e durabilidade inerente à qualquer maquina que trabalha muito próxima ao seu limite. Uma vez que os carros precisam percorrer apenas 400 metros de cada vez, os padrões são muito diferentes dos de um motor de endurance, por exemplo, que precisa correr não 12 segundos ininterruptos, mas sim 12 horas! É natural então, que os motores de arrancada sejam sempre os mais potentes entre seus irmãos preparados para outros tipos de corrida. E também é compreensível, que a durabilidade e confiabilidade deles esteja em um nível muito menor. Assim sendo, esqueça o custo, e pense apenas no benefício, pois um motor desses e a manutenção que ele requer, estão muito longe de serem baratos.



Feliz coincidência



A idéia básica por trás do projeto do Gol com motor “à ar” era a criação de um carro leve, pequeno, econômico e muito bem equilibrado. Mas após receber o AP, o carro teve sua estabilidade prejudicada para uso normal. A troca de um motor com cilindros opostos, arrefecido à ar e confeccionado em liga leve por outro maior e mais pesado, fabricado em ferro fundido, com refrigeração líquida e configuração 4 cilindros em linha, tornou o centro de gravidade mais alto e deixou o carro com o “nariz” muito pesado, piorando a distribuição de peso, que a VW só foi acertar nos modelos 1987. Entretanto, essas caraterísticas curiosamente combinam muito bem com a modalidade de competição automobilística que mais cresce no país.



Nesse tipo de competição, onde os motores facilmente aplicam mais de 400 cv nas rodas dianteiras, tração é fundamental. E a distribuição de peso tem papel fundamental na construção de um carro capaz de tracionar bem. Basicamente, o peso do carro precisa concentrar-se sobre o eixo motriz, o que torna as coisas um pouco complicadas em um tração dianteira: Ao sair com extrema violência da imobilidade, o carro tem a tendência de levantar a frente, alterando a geometria da suspensão e a área de contato dos pneus com o solo e principalmente transferindo peso para a traseira, o que causa uma boa derretida dos pneus e a conseqüente perda de valiosos décimos de segundo. Assim, “equilíbrio” em um carro desse tipo precisa ser pensado dinamicamente, ou seja, com o carro acelerando forte. E quanto mais forte o carro, o ideal é que o peso esteja concentrado mais à frente no chassi.



Não estou sugerindo que a Volks já naquela época estivesse prevendo o sucesso da arrancada no Brasil, mas é interessante observar como as coisas se desenrolam. Coincidência ou não, o fato é que de um jeito ou de outro Gol e AP constituem uma dupla que realmente tem “vocação” para a arrancada. Até os regulamentos das categorias foram escritos tomando por base esses motores, tamanha é sua superioridade em número. E mesmo que estejamos dois segundos acima do recorde mundial, mesmo que existam motores mais modernos, leves e eficientes, enquanto eles não forem capazes de “dar as caras” nas corridas de forma consistente tornando-se disponíveis à preços que as pessoas possam pagar, ou pelo menos até a arrancada no Brasil tornar-se grande o suficiente para atrair as montadoras e patrocinadores milionários como lá fora, parece que o AP continuará “dando as cartas”.



Ou, pelo menos, enquanto existir Gol, existirá AP. E existirá também algum maluco na casa dos 20 e poucos anos, espirrando contente pelas ruas e estradas do Brasil.

Fonte: www.volkspage.net/artigos/22/

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